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Nos bastidores da notícia

A Folha deu hoje, em sua versão impressa (reproduzida abaixo), meia página para esclarecer todas as contas do Co-Rio.

O diário ainda não sabe muito bem o que fazer para cobrir a reta final da escolha da sede dos Jogos e tem partido para o básico. A pauta, definitivamente, não é quente. Os blogs (notadamente, o novo canal do José Cruz, no UOL, que é excelente) e fóruns da net estão muito à frente das questões que o jornal tem levantado, aqui e alí. Os números da campanha são sempre bem-vindos, mas já sabíamos que o governo federal tinha destinado, em 2008, mais de R$ 80 milhões para a campanha.

Mas, aí, a Folha vem dizer que já foram gastos R$ 52,5 milhões , com recursos federais e que as despesas não devem atingir a previsão do ano passado. Ainda assim, o jornal manchetou o estouro de 36% nas contas, vitaminadas pela iniciativa privada, porque o presidente Nuzman tinha dito que o orçamento ia ficar US$ 42 milhões – R$ 73 milhões na cotação da época.

Ok. O Co-Rio respondeu que, com a entrada de dinheiro privado, a campanha foi encrementada.

Se quisesse contribuir, a Folha poderia pautar os bastidores da escolha de uma cidade-sede dos Jogos. Mas, nessa altura, somente o Jamil Chade, correspondente em Genebra para o Estadão, é capaz de dizer algo realmente interessante, como o fez em uma ocasião destacada por este blog (aqui).

Pois, a notícia mais relevante da meia página gasta pela Folha, foi a revelação de que o Co-Rio contratou a consultoria de Michael Payne que, durante 21 anos, entre 1983 e 2004, chefiou o marketing do COI.

Michael Payne é autor do livro “A Virada Olímpica”, da Casa da Palavra, publicado com o patrocínio do COB e com prefácio do presidente Nuzman, que diz ser amigo do importante ex-diretor do COI.

Payne, diz a Folha (no finalzinho do texto principal), foi contratado para fazer lobby e o faz com o uniforme cheio de medalhas de honra, pelos serviços prestados ao chamado Movimento Olímpico, pelo que consta em seu histórico. Braço direito de Saramanch, o inglês teria sido delineador de toda a nova marca olímpica, muito mais poderosa hoje que no período antecedente.

Já falei de Michael Payne neste blog (aqui) e com essa informação de bastidor, em meio às investigações da Folha, pode-se deduzir que o trabalho de bastidor está sendo muito bem feito.

Segue o material da Folha:

Rio-16 já registra estouro de 36%

Comitê da candidatura usa verba privada para ampliar seus gastos, que já chegam a R$ 101 milhões

Custo público será reduzido, mas governo ainda bancará maior parte da postulação olímpica, cujo destino será definido em 2 de outubro

RODRIGO MATTOS

DA REPORTAGEM LOCAL

O comitê Rio-2016 estourou seu orçamento inicial e atingiu cerca de R$ 101 milhões em despesas até agora. O inchaço dos custos foi possível graças ao dinheiro de empresas. Com mais verba, a entidade decidiu aumentar gastos e reduziu pouco o desembolso público.

O crescimento dos dispêndios do comitê chega a 36% sobre o valor anunciado em janeiro do ano passado, quando foi lançado o plano inicial.

Na ocasião, o presidente do comitê, Carlos Arthur Nuzman, disse que a candidatura custaria US$ 42 milhões. Pela cotação do dólar à época, isso significaria R$ 73,7 milhões. É verdade que, com a subida da moeda americana, esse custo seria de R$ 77,4 milhões hoje.

Os custos totais, entretanto, ultrapassam bastante esse montante, como revelam informações do próprio comitê.

Até agora o governo federal assinou convênios para repassar R$ 56,5 milhões ao Rio- -2016 -faltam R$ 4 milhões a serem pagos desse total. Os governos estadual e municipal do Rio deram R$ 8,6 milhões.

O dinheiro da União foi gasto em itens como consultorias internacionais e nacionais, todas contratadas sem licitação. Também pagou salários de funcionários do comitê -cerca de 50 ao final do ano passado. E custeou viagens de cartolas estrangeiros para o Brasil.

No total, hoje, a fatia pública na candidatura Rio-16 ficaria em torno de R$ 64 milhões, já que o comitê promete devolver R$ 1,25 milhão aos cofres públicos por sobras de convênios.

Só que, em 2009, a candidatura passou a atrair parceiros privados: EBX, Bradesco, Odebrecht, TAM e Embratel. A contribuição dessas cinco empresas atingiu R$ 37 milhões -só a EBX, de propriedade do milionário Eike Batista, deu mais da metade desse valor.

Em vez de aumentar a devolução de dinheiro ao governo federal, a Rio-16 abriu mais seu cofre e aumentou suas despesas, que, por enquanto, serão de R$ 100,8 milhões.

“Esses recursos contribuíram para reforçar a qualidade do projeto técnico do dossiê e estão viabilizando novas ações estratégicas de campanha e de marketing e relacionamento do Rio-2016 em todo o mundo, fazendo frente ao acirramento da disputa que se verifica nos últimos meses”, explicou a assessoria do comitê carioca.

O Rio concorre com Tóquio, Madri e Chicago à Olimpíada de 2016. A sede será anunciada em 2 de outubro, em Copenhague (Suíça). Cerca de cem membros do Comitê Olímpico Internacional farão a escolha.

Para chegar até lá, só com o dossiê o Rio-2016 tinha gasto R$ 14 milhões com verba do governo, todo o dinheiro dado à empresa suíça EKS (Events Knowledge Services). Ainda contratou o lobista Micheal Payne, ex-diretor do COI.

Recentemente, os cartolas do comitê Rio-2016 têm ido à maioria dos eventos em que há dirigentes do COI, como assembleias e torneios mundiais.

Fora as despesas do comitê, a União fez investimentos diretos à Rio-16 de R$ 24,7 milhões.

E a conta não fechou. O Ministério do Esporte avalia se haverá necessidade de novos convênios para repasses ao comitê. E não tem certeza sobre o valor final de seu desembolso.

Campanha se norteia por viagens

DA REPORTAGEM LOCAL

A campanha olímpica do Rio de Janeiro virou uma maratona aérea para cartolas do comitê Rio-2016 e para o ministro do Esporte, Orlando Silva Jr.

O patrocínio da TAM à postulação se deu por meio de permuta em passagens aéreas. Foi um total de R$ 4,5 milhões a ser gasto com esse item, segundo o comitê.

Instrução normativa do COB prevê que seus dirigentes, em viagens ao exterior acima de oito horas, têm que viajar de classe executiva. Não se sabe se as regras valem para o comitê. Cartolas estiveram em países europeus, africanos e da América do Norte na campanha.

O ministro do Esporte os acompanhou em algumas delas. Segundo a pasta, Silva Jr. fez cinco viagens ao exterior para reforçar a postulação carioca aos Jogos. Ele esteve em Atenas (Grécia), Acapulco (México), Denver (EUA), Lausanne (Suíça) e Abuja (Nigéria). Foi a assembleias do COI e eventos da concorrência olímpica.

Todas as viagens não foram incluídas nos investimentos diretos e indiretos feitos pelo governo federal na candidatura do Rio, pois são contabilizados em outro item do orçamento do ministério. (RM)

Dinheiro privado serve para ações não contempladas, justifica comitê

DA REPORTAGEM LOCAL

O comitê Rio-2016 e o Ministério do Esporte afirmaram que caiu o investimento público na postulação olímpica. Alegam que foram os recursos privados que permitiram essa redução dos custos do governo federal.

“O uso de verbas públicas na candidatura está abaixo do previsto inicialmente”, disse a assessoria do Rio-2016. “Dos R$ 85 milhões aprovados em 2008 pelo Congresso para a candidatura, o comitê Rio-2016 conveniou R$ 56.472.474,52 com o Ministério do Esporte e recebeu R$ 52.497.690,64, restando R$ 3.974.783,88 a receber.”

Para o Ministério do Esporte, “a expectativa é que a participação da União não atinja o valor integral previsto”.

Estava estipulado que o governo federal bancaria todo o orçamento do comitê. A pasta diz que trabalhava com total de R$ 80 milhões como orçamento da candidatura Rio-2016, em razão da conversão dos US$ 42 milhões divulgados em 2008.

A assessoria da candidatura carioca afirmou que irá retornar parte do dinheiro recebido aos cofres públicos. “Serão devolvidos ao governo federal os valores que sobrarem da execução dos planos de trabalho, que até o momento, somados, chegam a R$ 1,25 milhão.”

Ressaltou ainda que o dinheiro privado serviu para ações que não eram contempladas nos convênios com a União.

O ministério ainda não tem uma conta final de seu investimento direto e indireto na candidatura olímpica, hoje em R$ 80 milhões. O presidente Lula tinha aprovado desembolsos de até R$ 85 milhões em 2008, incluídos investimentos diretos do Ministério do Esporte. (RM)

Direitos (pressão) de TV

A TV é a ponta de lança do COI, quando o assunto é negócio e tem sido uma das maiores fontes de renda da entidade, se não for a maior, observado os padrões de arrecadação das últimas três décadas. Michael Payne, que já atuou no marketing dessa organização, no momento de sua maior expansão, na virada dos anos 80 para os 90, é autor de “A Virada Olímpica” (Casa da Palavra, R$ 53,90, na FNAC) e fala da reviravolta do movimento olímpico com uma paixão indescritível. Primeiro, porque ecoa o sucesso de seu trabalho. Depois, porque leva ao conhecimento do leitor toda a sorte de gestão que resultou na imponência do COI e que tem garantido disputas acirradas de países que se pretendem sedes olímpicas. E os direitos de transmissão, segundo ele, é o viés dessa conquista.

Michael Payne endeusa o espanhol Juan Samaranch, presidente da entidade entre 1980 e 2001, e também joga confetes pra cima de Dick Pound, que presidia a comissão de Marketing e de Direitos de TV, justo o canadense (ainda membro do COI) que, vez ou outra, tem vaticinado a vitória de Chicago, para ser sede de 2016. Payne fala de como os direitos de transmissão dos Jogos saltaram para negociações de dez dígitos, para além dos dois bilhões de dólares, até. Mostra como as negociações são levadas por poucos do COI, que batem martelo sobre condições subjetivas para as escolhas das propostas.

Tanto é assim que a Rede Globo se viu surpreendida pelo contrato da Record para os direitos de transmissão de dois Jogos – de 2010 e 2012. E foi assim, nos idos dos anos 80 e 90, na extraordinária briga entre as majors americanas NBC e ABC, retratada pelo livro de Payne. Ele circulava nos bastidores e viu muitos executivos de emissoras enlouquecerem.

As propostas eram impensáveis e catapultou o marketing olímpico – embora seja difícil dizer, nesse caso, qual terá vindo antes: marketing ou demanda. Com os pagamentos de direitos nas alturas, não foi só uma vez que tais emissoras fecharam no vermelho, ainda que tenham sido prejuízos calculados, com a velha história de agregar valor. Nessa corrida, a NBC tem enfrentado a ABC, desde o episódio para se definir a transmissão dos Jogos de Seul, de 88, que custaram mais de 300 milhões à segunda.

Payne conta como, de repente, os Jogos passaram a valer bilhões para a TV e de como as transmissões consolidaram-se como chave do negócio e propulsão do movimento olímpico. A TV é parte importante do show dos Jogos e o COI, se sabe pelo livro desse marqueteiro, passou por períodos de temeridade, com os aumentos excessivos dos direitos. A entidade começou a cobrar outros compromissos das TVs, temendo quebra de contrato, por falta de capital, o que elevou a subjetividade de todo o processo de seleção. As redes passaram a participar das mudanças do organismo e supõe-se, são mesmo influentes na escolha das sedes olímpicas.

Payne também conta como foram as negociações para os Jogos de 2010 e 2012 e como o Usoc – Comitê Olímpico dos Estados Unidos – tentou atrapalhar o acordo com a NBC. Está no livro: “Depois de mais alguns ataques teatrais de raiva, os representantes do Usoc finalmente foram convencidos. Á uma e meia da madrugada, as lideranças do COI e da NBC reuniram-se novamente para uma teleconferência global, para o anúncio de que a NBC conquistara os direitos de transmissão para os Estados Unidos dos Jogos Olímpicos de 2010 e 2012 – atingindo uma série de 24 anos ininterruptos de conquista dos direitos dos Jogos de Verão”.

Payne, ainda marqueteiro do COI, dos principais participante dessas negociações, relata o momento chave que pode nos remeter as complicações atuais: “A estratégia apresentada a [Jacques] Rogge um ano antes agora produzia seus frutos. Não estávamos satisfeitos apenas por causa do imenso valor monetário envolvido. Havíamos conseguido persuadir a NBC entrar de cabeça na estratégia de marca do COI – criando uma parceria única e nova para o futuro e um outro patamar de benefícios. Sabíamos que havíamos estabelecido um novo referencial de excelência para a indústria”.

“Um tema recorrente, nas últimas décadas tem sido as tentativas constantes do Usoc de reclamar uma fatia cada vez maior dos honorários de direitos de transmissão para os Estados Unidos [que eram de 12,5%, no registro do livro]. Desde os Jogos de Inverno de 1980 em Lake Placid, o Usoc argumentava que deveria ter direito a uma fatia direta dos honorários norte-americanos, primeiro tentando persuadir o COI da legitimidade de sua reivindicação e, sempre que a tentativa falhava, esforçando-se para persuadir o Congresso norte-americano a considerar uma legislação especial para assumir o controle dos direitos de transmissão no lugar do COI.”

Os americanos sempre pagaram mais pelos jogos. No início da gestão de Samaranch, de tudo que se arrecadava com as transmissões, 85% saíam dos cofres das TVs dos EUA (correspondente a 80% da receita total). Agora, essa conta já é de 50% para Jogos de Verão e de 30% de toda receita do COI.

Enfim, tento, aqui, traçar os bastidores das negociações de contratos de TV, no COI, mas só ficará claro a importância do momento, quando lido o livro de Payne. Só de se constatar que o Usoc sempre usou tática de guerrilha contra a matriz já valeria a leitura. Sabemos, definitivamente, que a intenção de se implantar uma TV por assinatura, em confronto direto com a NBC, altera sim o curso da história.

Payne, em seu livro, cita todos os nomes que estão na mesa, neste instante:

Dick Pound que, durante a gestão de Samaranch, ficou à frente das decisões sobre os direitos de transmissão, é um defensor de Chicago. Ele tem dito que a voracidade do Usoc até é sadia. “Isso é mais exposição para o movimento olímpico. Olhando de forma prática, isso, provavelmente, destacará o valor dos direitos” (leia mais aqui, em inglês). Pound já tentou ser presidente do COI, mas perdeu a eleição de 2001 para Jacques Rogge. Sua voz tem destoado daquela do Comitê Executivo e, ao lado do Usoc, parece querer escancarar a oposição.

O atual coordenador da comissão de TV, Richard Carrión, portoriquenho, não fala a mesma língua que o seu predecessor. Foi Carrión que negociou o atual contrato da NBC e tem dado declarações pesadas contra o Usoc (como as que estão no material do The New York Times, aqui).

Dick Ebersol, dos principais executivos da NBC, é personagem do livro de Payne. Ele está a frente das negociações de mais de 20 anos dessa rede com o COI. Antes disso, foi criador do Saturday Night Live, na mesma rede. Essa figura-chave tem partido para o chingamento, no atrito com o Usoc, inconformado. Foi ele que disse (também no NYT) que Chicago perderá com essa atitude do Usoc.

Enquanto isso, no Brasil, Globo e Record se preparam para concorrer, no próximo mês, ao direto de transmitir os Jogos de 2016, com Rio na disputa. As olimpíadas de 2010 e 2012 são da Record, por 60 milhões de doláres e o Lauro Jardim, da Veja (aqui, com muitos detalhes), aposta que o próximo arremate pode sair por 100 milhões. Parece-me no curso dos anseios dos dirigentes do COI. E o Rio deslisa melhor.