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210 milhões de dólares

(COM POSPOST, AO FIM)

O COI acaba de anunciar a venda dos direitos de transmissão dos Jogos de 2014 e 2016 para o Brasil (aqui, o release, em inglês). Ficou como foi antecipado pela mídia. A Globo venceu a disputa, mas não pediu exclusividade, na TV aberta, tendo se associado à Bandeirantes. A Record também está confirmada, com os direitos de TV aberta. TV fechada e outras mídias (rádio e web) ficaram com a Globo, em exclusividade.

A Associated Press acaba de informar (aqui, na reprodução do USA Today) que o negócio conjunto rendeu 210 milhões de dólares para “Movimento Olímpico”. O despacho ainda mostra que o Co-Rio irá se aproveitar do anúncio, mostrando como é evidente a força econômica brasileira. O salto do último negócio, fechado pela Record, de 60 milhões de dólares por 2010 e 2012, para 3,5 vezes mais, comprovaria o fôlego do Brasil e deixou o COI com os olhos brilhando.

O presidente do COI, Jacques Rogge, limitou-se a dizer, no release da entidade, o que segue:

“Este é um importante anúncio, não só pelo COI, mas pelo Movimento Olímpico, como um todo. Os brasileiros poderão aproveitar de uma cobertura sem precedentes dos Jogos Olímpicos em 2014 e 2016. O acordo também representa um aumento importante na receita do Movimento Olímpico, que será redistribuído para ajudar a desenvolver e promover esportes olímpicos em torno do mundo.”

Mas o release segue com palavras mais importantes do membro do COI, Richard Carrión, o porto-riquenho que tem se confrontado com o comitê olímpico norte-americano, o Usoc (que pretendia lançar um canal pago de esportes olímpicos e minar o contrato da NBC).

Carrión, que conduziu a negociação com os brasileiros, deixou claro a satisfação, com um agradecimento “pessoal”, na seguinte declaração:

“Esse é um anúncio sem precedentes e eu gostaria de agradecer, pessoalmente, a todas as partes envolvidas na negociação. Trabalhando com as principais organizações de mídia do Brasil, nós estamos confiantes que isso representa um grande negócio para os fãs olímpicos, na região. Haverá um grande aumento na quantidade de transmissão da ação olímpica, durante e fora do período dos Jogos. Os brasileiros terão mais opções de escolher como, quando e onde acompanhar as Olímpiadas.”

Roberto Irineu Marinho, poderoso da Globo, falou de “inovação”, ao não exigir exclusividade. João Carlos Saad falou, pela Band, da longa parceria com o COI. Alexandre Raposo, presidente da Record, reafirmou o compromisso da sua rede de apoiar o Movimento Olímpico.

Óbvio, o teor do documento não foi conhecido, sem que soubéssemos de valores e exigências contratuais, como a quantidade de horas no ar etc.

Pospost: O despacho da AP começa a ecoar forte. Em espanhol, a Univision (canal norte-americano que transmite os Jogos) acrescentou outros trechos da nota da agência, não reproduzidos pelo USA Today. O detalhe maior (aqui) fica por conta da matemática financeira da proposta conjunta das redes: serão pagos 170 milhões de dólares pelos direitos de TV e mais 40 milhões pelos “pacotes promocionais”. Além disso, veio toda a declaração do Carlos Osório, número 2 da campanha do Rio: “Esse é um dia muito positivo para o Rio. Durante a crise econômica (mundial), o Brasil foi o único país que pôde apresentar uma proposta, assim, de força. Demonstra que a economia é muito estável”.

Direitos (pressão) de TV

A TV é a ponta de lança do COI, quando o assunto é negócio e tem sido uma das maiores fontes de renda da entidade, se não for a maior, observado os padrões de arrecadação das últimas três décadas. Michael Payne, que já atuou no marketing dessa organização, no momento de sua maior expansão, na virada dos anos 80 para os 90, é autor de “A Virada Olímpica” (Casa da Palavra, R$ 53,90, na FNAC) e fala da reviravolta do movimento olímpico com uma paixão indescritível. Primeiro, porque ecoa o sucesso de seu trabalho. Depois, porque leva ao conhecimento do leitor toda a sorte de gestão que resultou na imponência do COI e que tem garantido disputas acirradas de países que se pretendem sedes olímpicas. E os direitos de transmissão, segundo ele, é o viés dessa conquista.

Michael Payne endeusa o espanhol Juan Samaranch, presidente da entidade entre 1980 e 2001, e também joga confetes pra cima de Dick Pound, que presidia a comissão de Marketing e de Direitos de TV, justo o canadense (ainda membro do COI) que, vez ou outra, tem vaticinado a vitória de Chicago, para ser sede de 2016. Payne fala de como os direitos de transmissão dos Jogos saltaram para negociações de dez dígitos, para além dos dois bilhões de dólares, até. Mostra como as negociações são levadas por poucos do COI, que batem martelo sobre condições subjetivas para as escolhas das propostas.

Tanto é assim que a Rede Globo se viu surpreendida pelo contrato da Record para os direitos de transmissão de dois Jogos – de 2010 e 2012. E foi assim, nos idos dos anos 80 e 90, na extraordinária briga entre as majors americanas NBC e ABC, retratada pelo livro de Payne. Ele circulava nos bastidores e viu muitos executivos de emissoras enlouquecerem.

As propostas eram impensáveis e catapultou o marketing olímpico – embora seja difícil dizer, nesse caso, qual terá vindo antes: marketing ou demanda. Com os pagamentos de direitos nas alturas, não foi só uma vez que tais emissoras fecharam no vermelho, ainda que tenham sido prejuízos calculados, com a velha história de agregar valor. Nessa corrida, a NBC tem enfrentado a ABC, desde o episódio para se definir a transmissão dos Jogos de Seul, de 88, que custaram mais de 300 milhões à segunda.

Payne conta como, de repente, os Jogos passaram a valer bilhões para a TV e de como as transmissões consolidaram-se como chave do negócio e propulsão do movimento olímpico. A TV é parte importante do show dos Jogos e o COI, se sabe pelo livro desse marqueteiro, passou por períodos de temeridade, com os aumentos excessivos dos direitos. A entidade começou a cobrar outros compromissos das TVs, temendo quebra de contrato, por falta de capital, o que elevou a subjetividade de todo o processo de seleção. As redes passaram a participar das mudanças do organismo e supõe-se, são mesmo influentes na escolha das sedes olímpicas.

Payne também conta como foram as negociações para os Jogos de 2010 e 2012 e como o Usoc – Comitê Olímpico dos Estados Unidos – tentou atrapalhar o acordo com a NBC. Está no livro: “Depois de mais alguns ataques teatrais de raiva, os representantes do Usoc finalmente foram convencidos. Á uma e meia da madrugada, as lideranças do COI e da NBC reuniram-se novamente para uma teleconferência global, para o anúncio de que a NBC conquistara os direitos de transmissão para os Estados Unidos dos Jogos Olímpicos de 2010 e 2012 – atingindo uma série de 24 anos ininterruptos de conquista dos direitos dos Jogos de Verão”.

Payne, ainda marqueteiro do COI, dos principais participante dessas negociações, relata o momento chave que pode nos remeter as complicações atuais: “A estratégia apresentada a [Jacques] Rogge um ano antes agora produzia seus frutos. Não estávamos satisfeitos apenas por causa do imenso valor monetário envolvido. Havíamos conseguido persuadir a NBC entrar de cabeça na estratégia de marca do COI – criando uma parceria única e nova para o futuro e um outro patamar de benefícios. Sabíamos que havíamos estabelecido um novo referencial de excelência para a indústria”.

“Um tema recorrente, nas últimas décadas tem sido as tentativas constantes do Usoc de reclamar uma fatia cada vez maior dos honorários de direitos de transmissão para os Estados Unidos [que eram de 12,5%, no registro do livro]. Desde os Jogos de Inverno de 1980 em Lake Placid, o Usoc argumentava que deveria ter direito a uma fatia direta dos honorários norte-americanos, primeiro tentando persuadir o COI da legitimidade de sua reivindicação e, sempre que a tentativa falhava, esforçando-se para persuadir o Congresso norte-americano a considerar uma legislação especial para assumir o controle dos direitos de transmissão no lugar do COI.”

Os americanos sempre pagaram mais pelos jogos. No início da gestão de Samaranch, de tudo que se arrecadava com as transmissões, 85% saíam dos cofres das TVs dos EUA (correspondente a 80% da receita total). Agora, essa conta já é de 50% para Jogos de Verão e de 30% de toda receita do COI.

Enfim, tento, aqui, traçar os bastidores das negociações de contratos de TV, no COI, mas só ficará claro a importância do momento, quando lido o livro de Payne. Só de se constatar que o Usoc sempre usou tática de guerrilha contra a matriz já valeria a leitura. Sabemos, definitivamente, que a intenção de se implantar uma TV por assinatura, em confronto direto com a NBC, altera sim o curso da história.

Payne, em seu livro, cita todos os nomes que estão na mesa, neste instante:

Dick Pound que, durante a gestão de Samaranch, ficou à frente das decisões sobre os direitos de transmissão, é um defensor de Chicago. Ele tem dito que a voracidade do Usoc até é sadia. “Isso é mais exposição para o movimento olímpico. Olhando de forma prática, isso, provavelmente, destacará o valor dos direitos” (leia mais aqui, em inglês). Pound já tentou ser presidente do COI, mas perdeu a eleição de 2001 para Jacques Rogge. Sua voz tem destoado daquela do Comitê Executivo e, ao lado do Usoc, parece querer escancarar a oposição.

O atual coordenador da comissão de TV, Richard Carrión, portoriquenho, não fala a mesma língua que o seu predecessor. Foi Carrión que negociou o atual contrato da NBC e tem dado declarações pesadas contra o Usoc (como as que estão no material do The New York Times, aqui).

Dick Ebersol, dos principais executivos da NBC, é personagem do livro de Payne. Ele está a frente das negociações de mais de 20 anos dessa rede com o COI. Antes disso, foi criador do Saturday Night Live, na mesma rede. Essa figura-chave tem partido para o chingamento, no atrito com o Usoc, inconformado. Foi ele que disse (também no NYT) que Chicago perderá com essa atitude do Usoc.

Enquanto isso, no Brasil, Globo e Record se preparam para concorrer, no próximo mês, ao direto de transmitir os Jogos de 2016, com Rio na disputa. As olimpíadas de 2010 e 2012 são da Record, por 60 milhões de doláres e o Lauro Jardim, da Veja (aqui, com muitos detalhes), aposta que o próximo arremate pode sair por 100 milhões. Parece-me no curso dos anseios dos dirigentes do COI. E o Rio deslisa melhor.